terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Pirata

Descalços invadimos o mar
Corremos na tua praia de risos
e de cócegas floridas
Braços abertos aos gritos:
À proa, à proa!
Estavas do outro lado
Vinda do mar com algas
Espadas secretas
E correntes invisíveis
Foi aqui que a batalha se deu
Feroz e silenciosa
Como um rio de águas doces
Rendes-te? Rendo...

Abraço-te!
Amo-te

MRodas

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Uma história de guerra em 500 palavras



Maria do Carmo

A minha avó sabia como ninguém, como eu gostava das histórias trágicas.
- Conte aquela da guerra, avó!
Ela começava sempre assim:
Naquela aldeia havia dois rapazes que gostavam muito da Maria do Carmo, o Manuel e o José. Ela gostava dos dois e não se decidia a casar, até que uma noite, no regresso da romaria, quando os sonhos são mais bonitos e as estrelas se deixam tocar com os lábios, o Manuel, para a consolar disse-lhe: Não faz mal, eu caso contigo.
Quando se soube que eles iam casar, o José nunca mais foi o mesmo. Triste, magro e desinteressado da vida.
Uns dias antes do casamento, o Manuel foi convocado para o serviço militar. Ora, foi uma tristeza geral. Passado algum tempo, a Maria do Carmo recebeu uma carta dum colega a dizer que o marido tinha desaparecido na batalha de La Lys. Nunca mais recebeu carta nenhuma. À medida que o tempo ia passando sem notícias do Manuel, melhoravam os dois:  ela, porque julgando o marido morto, arregaçou as mangas e se fez à vida novamente, e o José, porque podia finalmente concretizar o seu amor. Toda aldeia concordava e incitava os dois a que se unissem e fossem felizes.  Assim fizeram.
Corria a vida muito bem aos dois até que passados três anos, uma carta anunciava o regresso do Manuel. Que o fosse esperar ao comboio a Braga.
Depois de aconselhada por toda a aldeia e pelo padre, a Maria do Carmo foi a Braga. Recebeu o marido com preocupação e, sentados no muro em volta da estação, contou-lhe tudo o que se tinha passado e agora não sabia como resolver  a situação. Choraram os dois abraçados. Caiu-lhe ele dos braços, escorregou para o chão, estava morto. Chamada a polícia e os bombeiros levaram o corpo para o Quartel de Braga, apurou-se que tinha sido do coração a causa da morte, e voltou ela para casa, muito desolada e triste, mas também esperançada que deste modo poderia continuar a sua vida com José. Parece que Deus tinha resolvido as coisas, com muita mágoa, mas enfim, poderia ainda acabar bem esta história.
Quando a Maria do Carmo chega a casa, julgando que o marido estava nos campos, mete  a chave na porta e vai ao seu quarto para mudar de roupa e o que vê ela deitado na sua cama? O José, a escorrer sangue ainda quente e com uma pistola na mão. 
Ela cheia de dor, em cima de dor, rasga a blusa, pega na pistola ainda fumegante e aponta-a ao peito.
-  Espere, avó, espere aí... só mais um bocadinho, que eu volto já!
Eu corria, corria pelos caminhos a combater inimigos imaginários e a adivinhar o que se passaria a seguir.
- Conte aquela da guerra, avó!
- Logo, agora não!
O tempo correu muito depressa, a avó partiu e ainda hoje não sei o que fez a Maria do Carmo com a pistola e com a sua vida!
Maldita guerra!


MRodas

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A primeira guerra mundial faz cem anos


Em Portugal, a história dos prisioneiros da Primeira Guerra Mundial reduz-se a números. E quase nada mais, como se o desejo declarado de alguns  se tivesse concretizado: 

“Corramos, porém, um véu bem espesso sobre esse cenário de horrores que foi a vida de fome, de miséria, de martírio, dos prisioneiros portugueses na Alemanha”  MARTINS, Ferreira, 1935, Portugal na Grande Guerra, Lisboa, Ática, vol. II,


https://www.youtube.com/watch?time_continue=9&v=gj2DelrQUJs



Voz de prisioneiro português na Primeira Guerra Mundial foi gravada no cativeiro

Letra da canção cantada por João Neves

As grades desta prisão,
Lá de fora metem medo.
Que fará quem está cá dentro,
A cumprir o seu degredo.

As cordas da minha guitarra
São de ouro acastanhado,
São cabelos que eu roubei
Das tranças da minha amada.
Na versão cantada, João Neves engana-se e substitui "grades" por "cordas". O sentido geral do poema e o queixume pela sua situação de prisioneiro mantêm-se, contudo, intactos.

https://www.rtp.pt/noticias/portugal-na-1-grande-guerra/voz-de-prisioneiro-portugues-na-primeira-guerra-mundial-foi-gravada-no-cativeiro_es895273

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

A mulher dos seguros


É de névoa cor de rosa na secretária
branca mão no papel timbrado

Simula, simula
e ri-se
olha-me 
como se fosse ontem
ou apenas mais um cifrão
a mulher cor de rosa

Mulher cor de rosa
não quero o seguro
quero arriscar
e perseguir o futuro
sem simulações

mulher cor de rosa
branca mão insegura
no papel acidentado...


MRodas

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A ilha

A ilha está em luta
Tem dentro e fora
Rasga e molda
Afasta e abraça
Morde e beija
Chora e canta...


A ilha navega à vista
Rumo ao coral
É um fragmento solto no mar
Ao sol
Dos teus abraços!

MR

Quixote

Quando D. Quixote chegou ao mar
Via as ilusões de cada um

Quixote, Quixote
Onde o paraíso
Que prometeste ao Sancho?

Todos temos um burro
A pensar que é um cavalo.


MR

Além

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Uma porta travessa



Parava a cada palavra.
A mão escutava o ritmo cardíaco e...não se decidia.
Por fim, a caneta deslizou numa valsa e imaginou-a
como uma porta travessa que não se abria, nem se fechava.
Nem tão pouco se mexia.
Ela era  antítese do prazer.
Amava-a.
Voltou a parar.
Cruzou as pernas, alisou o cabelo e continuou a dança.
Só a transparência dela permitia que ele a visse.
Sem fúria, atirou-lhe um banco  e sorriu a ouvir o cair dos estilhaços.

O amor é fodido!


MRodas

A guerra


Saio de casa, sem vontade de olhar para trás.
Sei que hei de voltar, por isso, não me despeço de ninguém.
Nem de nada.
Vou ali dar um recado, matar ou ser morto nesta guerra – o que é a guerra?- mas voltarei.
Claro que levo o coração preso numa sombra negra
e as pernas pesam com o receio de não saber correr ou fugir.
Nasci em 1894 e tenho 22 anos.
Sei que voltarei para ti.
Levo o teu retrato.
Não precisava, mas tenho medo de ser gaseado e perder a memória.
Se te perder que eu me encontre
e se eu não te encontrar, que tu não me percas.


Vou à guerra...matar e ser morto.

MRodas